terça-feira, dezembro 07, 2010

METROPOLIS (1927)

METRÓPOLIS


Um filme de FRITZ LANG


Com Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Rudolf Klein-Rogge, Brigitte Helm, Fritz Rasp, Theodor Loos


ALEMANHA / PB / 210 min (versão 2010: 150 min) / 4X3 (1.37:1)


Estreia na Alemanha a 10/1/1927 (Berlim)
Estreia nos EUA a 6/3/1927
Estreia em Portugal a 7/4/1928 (Lisboa, cinema S. Luiz)



Maria: “There can be no understanding between the hand and the brain 
unless the heart acts as mediator"


Em Agosto de 1925, a UFA enviou Fritz Lang e Erich Pommer a Nova Iorque para apresentarem o filme “Os Nibelungos” em solo americano. A estadia foi curta, pouco mais de um mês, mas as consequências que daí adviriam foram enormes; acima de tudo porque o contacto com uma cidade como Nova Iorque iria servir de inspiração a Lang para a rodagem do seu próximo filme, “Metropolis”. Logo depois do regresso à Alemanha, e de parceria com a sua mulher, Thea Von Harbou, Lang começa a escrever o argumento dessa nova obra, que iria adquirir proporções gigantescas, a ponto de ser a mais cara de toda a história da UFA. Para além da impressão directa colhida na viagem a Nova Iorque, Lang inspira-se em textos de H.G. Wells, Júlio Verne e Villiers de l’Isle.
A sua formação de arquitecto predispõe-o para uma visão futurista e apocalíptica do mundo; e o gosto por uma estética “construtivista” e a consciência de um aumento de peso de um clima social dar-lhe-ão o impulso decisivo. Lang deitará mão a tudo (construção de cenários imensos, utilização hábil de maquetas, mais de 37.000 figurantes) para, durante cerca de dois anos de filmagens, dar corpo a esta utopia grandiosa, que pode ser considerada um hino ou um desafio à ideologia totalitária. O tema do filme é bem conhecido: “Metropolis” é uma cidade projectada para um futuro muito distante, com dois níveis de vivências: em cima estão os poderosos, os cérebros detentores do poder absoluto; em baixo situam-se os meandros subterrâneos onde se encontram os operários, escravos da máquina que dá vida à cidade.
Maria (Brigitte Helm) é uma bela rapariga que pertence a este último submundo e que prega a esperança e o conformisno, qual profetisa messiânica. Dela ir-se-á enamorar o filho do “dono” da cidade, Freder (Gustav Fröhlich), que até então viveu feliz e despreocupado no meio dos privilégios da sua classe. Entretanto, o pai (Alfred Abel) faz com que o cientista Rotwang (Rudolf Klein- Rogge) construa um robot semelhante a Maria, a fim de instigar os trabalhadores à revolta e, desse modo, ter um pretexto para exercer a repressão; mas também com a ideia de verificar se o robot poderá substituir o homem. Mas este deixa de obedecer e a revolta adquire aspectos catastróficos quando a cidade subterrânea começa a inundar-se, após a destruição das máquinas. No fim, as duas partes implicadas no conflito reconciliam-se à porta da catedral. Nunca a um filme fora imposto um final assim tão artificial, contrariando toda a lógica da decadência que “Metropolis” evoca. Nem os próprios americanos teriam mostrado tanto empenho num “happy ending” como este.
Destacar as marcas das tendências pré-fascistas em “Metropolis” não é nenhuma proeza original. Thea Von Harbou iria aderir ao partido nacional-socialista em 1932, quando Lang trabalhava já no “Testamento do Dr. Mabuse”. O tom dos textos por ela escritos não deixa margem a qualquer dúvida. Existe por isso em “Metrópolis um duplo sentimento de fascínio e repulsa, que a ambiguidade da mensagem final, tentando conciliar a arbitrariedade do poder e as exigências da justiça social, não consegue suprimir. Lang tinha ele próprio consciência disso: «A conclusão é falsa, já não a aceitava quando realizei o filme», declara em 1959 aos Cahiers du Cinéma. Atenua esta opinião em 1971: «Thea Von Harbou tinha imaginado que o mediador entre o cérebro dirigente e a mão executante podia ser o coração. Isso pareceu-me então pueril e utópico. Mas compreendo que a juventude dos universitários tenda para essa solução».
Lang estava bem ciente que aquele abraço final, reconciliando o capital e o trabalho, continha em germe a grande alegoria do nacional-socialismo que nessa altura já circulava na Alemanha. Resta é saber se ele comungava com a sua esposa a doutrina ideológica que se desprende do filme. É muito pouco provável, julga-se até que foi a diferença de ideias políticas entre os dois que esteve na origem do divórcio ocorrido em 1933, pouco antes de Lang partir para o exílio, primeiro para Paris e depois para os EUA. Voltemos entretanto à entrevista de 1971: «Quando trabalhava nesta película, agradava-me muito. Anos depois encontrei-lhe inúmeros defeitos. O simbolismo era excessivo. A tese principal era da Srª Von Harbou, mas sou responsável pelo menos por 50%, pois realizei-a. Não estava então tão preocupado com a política como agora. Não se pode fazer uma película social na qual se diz que o intermediário entre a mão e o cérebro é o coração. Isso é um conto de fadas».
“Metropolis”, filme nazi ou progressista? Esta questão sempre esteve no centro das discussões sobre a obra de Lang. Hitler e Goebbels fizeram dele o seu filme de cabeceira, e provavelmente usaram-no como inspiração para todas as atrocidades cometidas e que infelizmente os imortalizaram na História da Humanidade. Refira-se, por exemplo, a estrela pintada na porta da casa de Rotwang ou a imensa escadaria ao cimo da qual os operários são imolados. Georges Sadoul recolheu a história que Jean Lafitte conta no seu livro de memórias, “Nous les Vivants”. Quando entrou pela primeira vez no campo de extermínio de Mauthausen, em 1943, ao subir a gigantesca escada, um prisioneiro desconhecido que caminhava a seu lado perguntou-lhe: «Isto não te faz lembrar o filme “Metropolis”
Resta o admirável triunfo plástico do filme: a marcha lenta dos homens na cidade subterrânea, a geometria impecável dos movimentos da multidão, a imaginação de um novo mundo de objectos (por exemplo, o relógio gigantesco de apenas 10 horas, as de trabalho), a beleza cenográfica - autocarros aéreos, auto-estradas a diversos níveis, o laboratório de Rotwang - e, logo de início, a carga de erotismo dada a Brigitte Helm, de um magnetismo irresistível na sua caracterização de mulher-máquina, que fazem de “Metropolis” um dos momentos altos da arte do mudo, a situar ao lado de uma “Intolerância” de Griffith, por exemplo.
“Metropolis” é, em suma, um soberbo espectáculo cinematográfico e um detestável panfleto político. Mas acredito que ver este clássico na sua época deverá ter proporcionado, para além de uma inegável confusão, uma experiência inolvidável. Considerado por muitos como o primeiro épico da ficção científica, “Metropolis” sofreu, desde a sua estreia, diversas mutilações e apropriações indevidas. Quase se chegou ao cúmulo de haver uma versão diferente consoante o país em que era exibido. Inclusivé foi alvo de uma colorização quando o músico americano Giorgio Moroder comercializou o filme em 1984 com uma nova banda sonora onde pontificavam canções interpretadas por Freddie Mercury, Pat Benatar ou Bonnie Tyler (essa banda sonora foi muito justamente distinguida como a pior banda-sonora de 1985 – os conhecidos Razzie Awards).
“Metropolis” conseguiu resistir a todas estas blasfémias. Agora, a novissima versão disponível em DVD e BLU-RAY, retoma a banda sonora original de Gottfried Huppertz (numa versão actualizada) e inclui 25 minutos de metragem descoberta há dois anos  na Argentina, o que amplia a totalidade do tempo da obra para 150 minutos; ainda assim um pouco distante - uma hora inteira - da versão exibida na altura da estreia, que durava 210 minutos. Provavelmente esta será agora a versão de referência e à qual teremos direito nos próximos anos. Mas a fraca qualidade das cenas agora adicionadas (cheias de riscos, que nem toda a tecnologia actual conseguiu eliminar) faz-nos no mínimo interrogar sobre a utilidade de tal adição. Se a obra ganhou em extensão perdeu sem dúvida alguma em uniformidade qualitativa.

1 comentário:

Billy Rider disse...

Magnífica esta tua análise do filme, amigo Rato, com realce das duas facetas que sempre mantiveram este filme no centro de mil e uma discussões: o argumento melodramático em demasia (e com o tal final irrealista, que o próprio Lang desdenhava) e a esplendorosa visão estética que ainda hoje nos deixa a todos de boca aberta.
Já tenho também a nova versão em blu-ray e realmente é uma pena que não se tenha conseguido retirar todos aqueles riscos das novas cenas incorporadas.