quinta-feira, novembro 17, 2011

LE SAMOURAÏ (1967)

O OFÍCIO DE MATAR




Um filme de JEAN-PIERRE MELVILLE


Com Alain Delon, François Périer, Nathalie Delon, Cathy Rosier, Jacques Leroy, Michel Boisrond, Catherine Jourdan


FRANÇA - ITÁLIA / 105 min / 
COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia em FRANÇA a 25/10/1967
Estreia em PORTUGAL a 3/11/1968


«Não há solidão mais profunda do que a do samurai,
a não ser, talvez, ­a do tigre na selva.»

Em parceria com o esclarecedor plano inicial, esta epígrafe nipónica, que abre “Le Samouraï”, define desde logo o caminho solitário que o filme irá percorrer. Jeff Costello (Alain Delon, aqui no esplendor dos seus 32 anos, e num dos papeis mais marcantes de toda a sua carreira), é um assassino profissional, frio e calculista, conhecido pela sua eficácia nos meandros do crime. Encar­regado de liquidar o dono de um bar, cumpre essa tarefa como é seu hábito, isto é, a tempo e horas. Metódico e sereno, desfaz-se de todas as pos­síveis provas de culpabilidade, depois de ter prepa­rado anteriormente um álibi indestrutível. Conside­rado suspeito pela Policia, esta vê-se impotente para o acusar, não podendo utilizar contra ele outras medidas que não a de fazê-lo seguir pelos seus informadores. Espera-se uma falha, um erro, uma pequena ponta deixada a descoberto. Mas Jeff é um profissional competente, um homem que sabe do seu ofício, que não deixa nada ao acaso.
Vive num pe­queno quarto ultrapassado pelo tempo e feito eterni­dade, onde, nas horas mortas, se ouve somente o piar monótono de um pássaro (é precisamente a alteração circunstancial desse único som que o irá alertar mais tarde para a invasão do seu espaço por estranhos). Quando, porém, se encon­tra com o intermediário que o havia contratado para aquela última missão, Jeff descobre que o pretendem simples­mente liquidar. Salva-se por instinto. Acossado por todos os lados, aprenderá que mais não é do que um instrumento no seio de uma sociedade devoradora. Em seu redor os lobos degladiam-se: de um lado a Polícia, do outro os mentores do crime. Ambas as partes, todavia, olham o tigre e tentam calá-lo pelos modos mais dúbios, utilizando, da chantagem à arma­dilha, todas as chaves das vitórias fáceis. Jeff Costello está, porém, acima dessa equivalência de processos.
Executando os crimes para que o contratam, Jeff limita­ -se a levá-los até ao fim. Equilibrando os campos que se enfrentam, Jeff, o tuer profis­sional, assume (ainda que não conscientemente) a sua condição de criminoso. Discreto, impossi­bilitado de sobreviver com a última das dignidades possíveis numa sociedade corrupta, Jeff levará a sua condição de samurai até ao extremo, aniquilando-se num harakiri cujas leis Melville vai buscar a “The Left-handed Gun / O Vício de Matar” (Arthur Penn, 1958) ou a “The Last Sunset / Duelo ao Pôr do Sol” (Robert Aldrich, 1961): uma arma vazia, como vazia fora a sua vida, corno vazia é a solidão silenciosa de um samurai ou de um tigre na selva...
O thriller (ou filme negro) americano havia desde sempre influenciado a carreira de Jean-Pierre Mel­ville (1917-1973), o padrinho ou o pai espiritual da Nouvelle Vague. Foi ele o primeiro a testar, em 1946, as técnicas cinematográficas que os “jovens turcos” seguiriam nos anos seguintes. Alguns dos seus temas bá­sicos (a amizade, a perseguição, o ajuste de contas, a solidão... ) estão já presentes em obras como “Le Doulos / O Denunciante” (1962), “L’Ainé des Ferchaux / Um Homem de Confiança” (1963) e Le Deuxième Souffle / O Segundo Fôlego” (1966), que são os três filmes imediatamente anteriores a este. Le Samuraï”, talvez o melhor filme de Melville, vem no entanto conferir uma nova dimensão a essa influência.
Na verdade, a obra não pretende transpor para a Europa o modelo do filme negro americano, pois julgo nunca ter estado na intenção de Melville realizar um escorreito e vigoroso thriller. Interessava-lhe, isso sim, uma base sobre a qual pudesse construir o seu filme. Essa base foi buscá-la precisamente ao filme de gangsters, ao seu meio restrito, com leis e normas próprias, com um código ético bem definido e uma ambiência humana parti­cular. Sobre essa base irá Melville falar da solidão e do silêncio que envolve o homem, no caso um tuer eficiente e rigoroso. A história desta deambulação de um herói de tempos passados, um assassino de ética irrepreensível (no quadro dos seus esquemas valorativos, entenda-se) e de serena majestade, é toda ela uma elegia feita de silêncios prolongados e de solidão opressiva. Ressalvando as devidas distâncias, poder-se-á dizer que Melville está para o thriller americano assim como Sergio Leone está para o western - o mesmo tipo de planos, longos e belos, a escassez de diálogos (recorrendo-se apenas ao essencial – a prmieira palavra é dita apenas ao cabo de dez minutos de filme) ou a simplicidade da história contada através de meios minimalistas, aproximam inequivocamente os universos particulares de ambos os cineastas.
Com música original de François de Roubaix, e fotografia de Renri Decae, num magnífico eastmancolor de pesados e soturnos cinzentos e verdes escuros, “Le Samouraï” conta com uma notável interpretação de Alain Delon, uma figura de impene­trável serenidade. Nalgumas cenas (como, por exem­plo, quando veste a gabardina e coloca o chapéu, numa operação que constitui um verdadeiro ritual), Delon atinge um plano de invulgar subtileza e maleabilidade física. Sem Delon este filme nunca seria o mesmo, nunca teria aquela auréola muito especial que o envolve. Foi com este filme que o actor francês cimentou em definitivo o seu status de grande estrela e símbolo sexual dos sixties, que filmes precedentes como “Rocco e Seus Irmãos” (Luchino Visconti, 1960), “O Eclipse” (Antonioni, 1963) ou “O Leopardo” (outra vez Visconti, 1963) ajudaram a criar. Até uma nova marca de perfume apareceu naquele final de década – chamava-se, muito naturalmente, “Samouraï”.


2 comentários:

Rato disse...

Para os interessados, aqui fica o link para o download do filme (cortesia de MOTM):

http://www.megaupload.com/?d=BISLC6T0

Loot disse...

É um filmaço.