quinta-feira, fevereiro 16, 2012

THE PARTY (1968)

FESTA DE LOUCOS
Um filme de BLAKE EDWARDS





Com Peter Sellers, Claudine Longet, Steve Franken, Stephen Liss, Fay McKenzie, Denny Miller, Gavin MacLeod, etc.

EUA / 99 min / COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 4/4/1968
Estreia em PORTUGAL a 5/4/1969

Hrundi V. Bakshi: «Birdie num num»

Este filme é como uma aspirina, que deve ser deixada sempre à mão, para tratamento urgente de stress, mau humor, irritação e outras pancadas que tais. E o melhor de tudo é que resulta, todas as vezes a que a ele recorremos. Comédia delirante, bem representativa dos anos 60, esta é das obras de Blake Edwards aquela que mais se aproxima do universo de um Jacques Tati, nomeadamente da sequência do restaurante de “Play Time” [1967], filme claramente assumido por Edwards como inspiração-base: «Adoro esse filme. Se consegui transferir toda essa adoração para “The Party" não tenho a certeza. Quando era garoto absorvia também todos os filmes de Laurel & Hardy, juntamente com tantos outros daqueles grandes filmes mudos. Provavelmente é todo esse conjunto de referências que usei neste filme.»


Deliciosamente anarquista, rico em observações sociais, “The Party” (“Festa de Loucos” na tradução original portuguesa, mais tarde abreviada para “A Festa”) percorre todo um encadeado de gags non stop que têm lugar dentro de uma faustosa mansão de um produtor de Hollywood na qual se realiza uma festa para a qual é convidado por engano um infeliz actor indiano, Hrundi V. Bakshi, que tinha sido despedido alguns dias antes durante a rodagem de um filme. A personagem é desempenhada, com sotaque incluído, pelo genial actor inglês Peter Sellers, que atinge aqui o apogeu máximo de toda a sua comicidade. Há ainda quem veja em “The Party” uma paródia ao filme “La Notte”, de Michelangelo Antonioni, devido à sua estética fria e geométrica, ou ainda ao aborrecimento reinante nos convidados (que Bakshi se encarregará de subverter…)

Autor de rádio e televisão, argumentista, principalmente de Richard Quine, realizador de uma meia dúzia de filmes na década de 50, Blake Edwards encontrou o seu estilo na comédia dos anos 60. Um estilo que ele explicava do seguinte modo: «Por mim esforço-me por elevar o nível de slapstick e por simplificá-lo, caminhando no sentido natural.» "The Party" é uma homenagem antológica ao burlesco, um filme em que o elemento dramático se encontra reduzido à expressão mínima ou mesmo inexistente. Logo desde a sequência que serve de prólogo se adivinha o tom geral do filme: o corneteiro que se obstina em prolongar a vida no campo de batalha apesar de alvejado massivamente por todos à sua volta e que de seguida faz explodir inadvertidamente o cenário principal. Longe de ser um idiota, é pela sua falta de jeito, timidez e uma certa ingenuidade que o personagem de Peter Sellers nos conquista desde logo.

Hrundi V. Bakshi é suficientemente lúcido para se aperceber da sua má adaptação às situações mais corriqueiras, equivalente a um paquiderme em loja de porcelana. Aliás, um pouco pior, pois o elefante-bébé que é alvo das atenções gerais no final, consegue mesmo assim comportar-se melhor que o nosso herói. E no entanto, Bakshi enfrenta todos os contratempos com fleuma e dignidade, sempre com um sorriso nos lábios, tentando dar a volta às situações embaraçosas que vai criando (no mínimo afastando-se para bem longe, para o fundo do jardim). Tarefa inglória, conforme o desenrolar do filme nos vai dando a perceber. O efeito das boas intenções de Bakshi é o de um dominó em queda vertiginosa, sempre imprevisível e hilariante, e que inevitavelmente irá desembocar num final caótico.

Esse caos, na perspectiva de Blake Edwards, tem forçosamente de ser desencadeado para nivelar as divergências sociais presentes, numa intenção claramente alegórica. Depois de Bakshi caír na piscina, é levado para um quarto do piso superior afim de mudar de roupa (vestem-lhe um roupão vermelho do dono da casa), depois de o fazerem ingerir uma bebida alcoólica (algo a que ele não estava de todo habituado). Pouco depois descobre Michèle (Claudine Longet) em pranto, por causa das tentativas do seu agente em a seduzir, e consola-a à sua maneira muito peculiar. Os dois descem depois ao andar de baixo, dispostos a disfrutar ao máximo da festa em curso.

Entretanto há uma troupe de bailarinos russos a dançar o kalinka e a filha dos donos da casa aparece com os amigos, acompanhados por um elefante-bébé, pintado com diversos slogans dos sixties. Bakshi indigna-se por tal humilhação num animal que é sagrado na Índia e resolvem então lavá-lo, o que tem como consequência que as bolhas de sabão se vão espalhando pouco a pouco, acabando por encher todo o salão. A festa torna-se então completamente caótica, mas, simultaneamente, acaba com a hierarquia do status social que esteve na sua origem. No caos das bolas de sabão já não existem grandes diferenças e todos acabam de igual modo, completamente encharcados.

“The Party” é ainda hoje, mais de 40 anos depois, uma jóia rara de humor inteligente, por vezes corrosivo, mas que jamais cai na vulgaridade. E mesmo que já o tenhamos visto dezenas de vezes (como é o meu caso) o prazer é sempre enorme. Podemos conhecer todos aqueles gags e situações de cor e salteado, mas a sua antevisão deixa-nos sempre ansiosos para os revermos de novo. Quem poderá esquecer o episódio do sapato navegador que acaba numa travessa de aperitivos («I’m on a diet, but the hell with it»), o criado que vai bebendo cocktail atrás de cocktail (Steve Franken noutro desempenho memorável), o bilhar a três («howdy partner»), a desastrosa sequência na casa de banho, aquele caótico e indescritível jantar, (mal) servido pelo mesmo criado (já completamente embriagado), a alimentação do papagaio («birdie num num», frase que foi adoptada por todo o elenco para se cumprimentarem no dia-a-dia) e tantos outros momentos de antologia? E depois há a maravilhosa Claudine Longet a cantar (“Nothing To Lose”) e a encantar-nos. A nós, espectadores e a um Peter Sellers imobilizado, incapaz de ir satisfazer uma urgente necessidade fisiológica…



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