domingo, novembro 03, 2013

CAMUS NO CINEMA


«Hoje a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: 'Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames'. Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.» Assim começa "O Estrangeiro", um dos livros que me tem acompanhado desde Dezembro de 1972, altura em que o comprei por 37 escudos, na livraria da COOP, em Lourenço Marques, trinta anos depois de ter sido editado pela primeira vez (com certeza absoluta seria um dos poucos livros que levaria comigo para uma ilha deserta, se a tal escolha fosse obrigado). O seu autor, Albert Camus (Prémio Nobel da Literatura em 1957), nasceu na Argélia, em Mondovi, província de Constantina, a 7 de Novembro de 1913, e morreu num acidente de automóvel em Janeiro de 1960, ao regressar a Paris de uma pequena digressão pela província. Aproxima-se portanto o centenário do seu nascimento, comemorado aqui e ali por alguma imprensa escrita.


Literatura à parte, o que me interessa aqui referir é a contribuição que a sua riquissima obra, uma das mais influentes e debatidas do século XX, teve para o Cinema. Muita pouca, inexplicavelmente, como escreve Francisco Ferreira na revista Atual do Expresso desta semana: «...Assustou-se o cinema com o "homem absurdo" e o turbilhão das suas forças contraditórias? Parece-me que a questão é contudo mais complexa do que a paupérrima lista de adaptações que se atreveram a passar a ficção de Camus para cinema - e as poucas que existem, regra geral, ora tombaram no embaraço ora no exercício escolar.


O alcance é mais amplo do que parece: fica-se com a sensação de que os heróis dos romances (o Meursault de "O Estrangeiro", sobretudo), bem como aquilo que os constitui, se pode, de facto, encontrar aqui e ali, em centenas e centenas de filmes que, com maior ou menor incidência, foram beber à mesma fonte sem a nomearem, como se a inspiração fosse do domínio universal. Dos que a nomeiam, há casos particulares: ainda há pouco, em 2011, o italiano Gianni Amelio se interessou pelo espírito camusiano, adaptando "Le Premier Homme", romance autobiográfico (e póstumo), com Jacques Gamblin no papel do alter ego do escritor. Aplicado ao nível de valores de produção, é um filme artificial e académico (não estreou por cá e não se perdeu nada).


Também inédito em Portugal (e aqui lamenta-se), "Fate / Yazgi" (2001) do turco Zeki Demirkubuz, verte livremente (e com particular negrume) "O Estrangeiro" para a actualidade e é uma das raras adaptações de Camus conseguidas. A peça "Calígula", a mais representada do escritor, teve várias adaptações para o cinema e TV, bem como a novela "A Peste" (com William Hurt na versão do argentino Luis Puenzo), sem que nenhuma se tenha distinguido.


Mas o caso mais célebre ainda é o de Luchino Visconti. Em 1966, o cineasta italiano começa a trabalhar num argumento que transpõe a acção de "O Estrangeiro" dos anos 30 para os anos 60, descobrindo-lhe uma nova actualidade política focada no fim dos impérios coloniais (com a Guerra da Argélia em pano de fundo). Acontece que a viúva de Camus - já o trabalho ia adiantado e o produtor Dino De Laurentis investido soma considerável - veta a veleidade, exigindo que a adaptação seja escrupulosamente fiel ao livro. Forçado a suprimir independências e guerras coloniais, Visconti ainda tenta desistir do projecto (agarra-se à desculpa de Alain Delon não poder fazer de Meursault - e seria Mastroianni a ficar com o papel), mas já era demasiado tarde. Uma vez concluído, à pressa, "Lo Straniero" resulta, de facto, num Visconti menor, num filme 'sem olhar' que nada acrescenta ao trabalho do seu autor.»

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