segunda-feira, dezembro 09, 2013

INVICTUS (2009)

INVICTUS
Um Filme de CLINT EASTWOOD


Com Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Adjoa Andoh, Marguerite Wheatley, Patrick Lyster, Pennie Downie, etc.

EUA / 134 m / Cor / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 11/12/2009
Estreia na ÁFRICA DO SUL a 11/12/2009
Estreia em PORTUGAL a 28/1/2010

«He was a prisoner who became a president. To unite his country, 
he asked one man to do the impossible»

Exceptuando documentários, Nelson Mandela só foi objecto de grandes abordagens ficcionais neste século, ou seja, depois de abandonar o poder em 1999. De todas, a que mais perdura - e sempre perdurará - é a que Clint Eastwood encetou em 2009, "Invictus". Para se apontar a sua relevância, lembremos a abertura do filme. Depois de uma espécie de prólogo em que, em jeito paradocumental, se traça o caminho que Mandela trilhou da libertação à eleição para Presidente da República da África do Sul, Eastwood entra pela ficção. Cena nocturna. Mandela acorda, levanta-se, ajeita a cama, a evocar uma práctica carceral. Veste um fato de treino e sai para a rua para uma caminhada a pé, ainda nem a aurora rompeu. No exterior da casa, dentro de um carro, dois seguranças lamentam a cronométrica rotina que faz do Presidente um alvo fácil. Mandela começa a andar pelas ruas desertas, sempre acompanhado pelos guarda-costas, pergunta pela saúde da mãe de um deles, congratula-se que esteja melhor - o cineasta começa a afinar a nossa percepção quanto à a fabilidade do personagem.


Uma legenda diz-nos que é o primeiro dia do mandato do Presidente. Logo uma carrinha em movimento desarvorado aparece algures, ainda não em relação com os personagens, mas nós estabelecemos de imediato uma ameaça. Um breve plano do interior da carrinha para o exterior introduz a ideia de que os seus ocupantes estão à procura de qualquer coisa. E eis que desemboca na rua onde Mandela caminha, os guarda-costas ficam alerta, a carrinha para, abruptamente, logo à frente. Mandela encosta-se à parede, os outros cobrem-no, prontos a sacar das armas. Um homem sai da carrinha a correr, larga um monte de jornais no passeio, a tensão esvai-se. Mandela aproxima-se para ver a primeira página. Está escrita em africânder, a língua dos brancos. Um dos guarda-costas pergunta o que lá está escrito. Mandela traduz: «Ele pode ganhar uma eleição, mas poderá dirigir um país?» 


O segurança insurge-se dizendo que já está a ser atacado mesmo antes de começar a governar. Mandela contraria-o, sustentando que é uma pergunta legítima - e sai do plano como se tivesse algo de inadiável para fazer. Esta sequência não chega a ter dois minutos e meio, mas é daquelas que deviam ser mostradas nas escolas de cinema, pela mestria narrativa que revela. Tem uma tensão de quase thriller, boa ferramenta para agarrar a nossa atenção. Introduz um tempo, é o primeiro dia do mandato. Dá-nos indicações precisas sobre o carácter do personagem central - hábitos monásticos que evocam a prisão, modéstia, afabilidade humana, lucidez política destituída de ressentimentos. No fundo, é isso e apenas isso que "Invictus" vai desenvolver e aprofundar nas duas horas e tal seguintes em que se mostra a astúcia e a compaixão com que Mandela pacificou uma nação dilacerada em ódios.

(Jorge Leitão Ramos in semanário Expresso, 7/12/2013)

Agora que o mundo lamenta o desaparecimento do histórico líder sul-africano (falecido na quinta-feira passada, dia 5, aos 95 anos), e antes da estreia, ainda esta semana, do auto-biográfico "Mandela: Longo Caminho Para a Liberdade", uma realização do britânico Justin Chadwick, torna-se oportuno uma (re)visão deste "Invictus", para melhor compreender a enorme estatura do homem que ficará para sempre como uma das maiores figuras do século XX. Se possível, acompanhada pela leitura da autobiografia, publicada em 1995, e onde Mandela conta a história extraordinária da sua vida - uma narrativa épica de lutas e confrontos, derrotas e vitórias, contrariedades e esperanças, que sempre o acompanharam, desde os tempos de clandestinidade e relativo anonimato (a nível internacional, pelo menos) até à sua libertação triunfal no dia 11 de Fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão (foi o prisioneiro 46664 de Robben Island, ao largo de Cape Town, número que significava que tinha sido o 466º encarcerado durante o ano de 1964).


Em "Invictus", Clint Eastwood centra-se no campeonato do mundo de rugby de 1995, onde a África do Sul se sagrou pela primeira vez campeã, frente à sempre temível selecção neozelandesa. Uma final histórica, cujo êxito só foi possível devido ao empenhamento pessoal de Mandela, que viu naquele desporto (desde sempre glorificado pela minoria branca e repudiado pela maioria negra) um veículo ideal para conseguir atingir a unificação do país, na altura uma nação ainda dividida pelo apartheid, apesar das mudanças trazidas pelos ventos históricos. Para além de toda a sua mestria habitual, Eastwood demonstra aqui também um grande conhecimento da vida de Mandela, expresso em pequenos detalhes ao longo do filme: a preservação do gabinete multi-racial logo no primeiro dia do mandato, o jogging madrugador, o isolamento familiar, a cumplicidade com as suas secretárias, o seu peculiar humor, ou a modéstia traduzida em prescindir de um terço do seu salário doando-o a obras de caridade.


O resultado é uma interacção constante entre os ideais desportivos da selecção springbok, capitaneada por François Pienaar (Matt Damon) e algumas das primeiras acções políticas levadas a cabo pelo recém-eleito Presidente (uma interpretação notável de Morgan Freeman, que confere à personagem de Mandela uma veracidade a todos os níveis credível). "Invictus" é um filme notável e emocionante, que chega a ser impressionante nas cenas da grande final do estádio Ellis Park. Mas, acima de tudo, enaltece a personalidade extraordinária de Nelson Mandela, um homem grande que soube ser grande, ao deixar para trás qualquer sentimento de vingança para abraçar a causa de unir toda uma nação através do perdão dos crimes praticados pelos seus torcionários, percebendo claramente a necessidade da superação dos anseios individuais pelo bem-estar de todo um povo. Não existem muitos casos na História em que uma nação se tenha unido de uma forma tão rápida.


CURIOSIDADES:

- Antes da produção do filme se iniciar, Morgan Freeman e o produtor Lori McCreary deslocaram-se à África do Sul, afim de conseguirem o acordo de Nelson Mandela. No encontro com o líder sul-africano, Freeman começou por dizer: «Madiba, há muito tempo que estamos a trabalhar neste projecto, mas só há pouco tempo ouvimos falar de algo que pode vir a revelar melhor a sua personalidade…» Mandela interrompeu-o, dizendo: «Ah, o Campeonato do Mundo!». A maneira expressiva como Mandela se referiu ao evento desportivo fez que Freeman e McCreary compreendessem de imediato que iriam ter o seu apoio total.

- Por ser canhoto, Morgan Freeman treinou-se a escrever com a mão direita por causa das cenas em que a personagem de Mandela (que era destro) é filmada a escrever.

- A cela da prisão que a equipa de rugby visita numa sequência do filme é a verdadeira cela de Robben Island, onde Mandela cumpriu 24 anos da sua pena.

- Morgan Freeman, que já conhecia Mandela há vários anos (tinham mesmo uma relação de amizade), baseou a sua interpretação em vários vídeos, de onde copiou o seu modo de falar, quer na pronúncia quer no ritmo das palavras. Mas o mais difícil de tudo foi tentar transmitir o seu carisma pessoal: «Eu queria evitar actuar como ele, precisava mesmo era de ser o próprio Mandela. Mas quando se está na frente dele apercebemo-nos da sua grandeza e da sua magia. E estas não podem ser imitadas.»




- Nelson Mandela afirmou numa entrevista que só Morgan Freeman o poderia ter representado no cinema.

- Matt Damon visitou François Pienaar na sua casa, afim de lhe pedir ajuda para a preparação do papel. Quando os dois se encontraram, houve um momento de silêncio, devido à grande diferença de estatura entre os dois. Damon quebrou a tensão, dizendo: «Olhe que a câmara me faz muito mais alto!» Pienaar prepararia mais tarde um jantar gourmet para os dois. A partir desse dia tornaram-se amigos. Pienaar afirmaria mais tarde: «Fiquei fascinado com a sua humildade e perverso sentido de humor. Ele quis aprender tudo o que pôde sobre mim, sobre a minha filosofia enquanto capitão dos springboks e o que significou para nós a conquista do Campeonato do Mundo, em 1995. Até aspectos técnicos do jogo eu lhe ensinei. Divertimo-nos muito.»

- A Associação de ruby neozelandesa enviou um perito para fiscalizar a dança guerreira The Haka, que os actores que interpretavam os jogadores da selecção All Blacks tiveram de aprender.

- A banda preferida de Nelson Mandela, The Soweto String Quartet, foi contratada para participar no filme.


- O escritório presidencial, no qual Mandela toma chá com Pienaar é uma divisão dos Union Buildings, a sede do Governo Sul-Africano em Pretória. Foi a primeira vez que um filme lá foi rodado.

- Todas as sequências dos jogos foram filmadas no próprio estádio onde o campeonato do mundo teve lugar, o Ellis Park Stadium de Johannesburg. As diferenças entretanto ocorridas no aspecto do recinto (tinham decorrido já 14 anos), foram equiparadas ao original através de efeitos gráficos computarizados, os quais também foram usados para “expandir” para 60 mil os cerca de 2 mil espectadores-extras que assistiam às filmagens.

- A sequência em que o avião sobrevoa o estádio com uma mensagem de apoio aos jogadores, aconteceu na realidade. A única diferença é que o evento foi previamente planeado e autorizado, enquanto que no filme o mesmo acontece como de uma surpresa se tratasse – o que ocasiona apreensão nos elementos da segurança de Mandela.






A BANDA SONORA:


2 comentários:

José Luís disse...

Quando vi este filme pela primeira vez, no fim levantei-me e bati palmas e com lágrimas nos olhos!

Rato disse...

É assim mesmo, Zé Luís, devemos aplaudir o que realmente nos toca de um modo especial.
Abraço!